Temer e as entranhas do toma-lá-dá-cá da política brasileira

D. Corleone, protagonista da obra de Mario Puzo, O Poderoso Chefão, que virou clássico do cinema, dizia que o traidor é quem convoca a reunião entre os inimigos. Bingo, deu Temer outra vez.

Durante décadas Temer conseguiu esconder o verdadeiro papel que exerce no política nacional, mas sua função ficou evidente desde a carta pessoal que enviou à Dilma Rousseff, quando concordou que o pedido de impeachment da presidente fosse aceito pelo Congresso Nacional, na qual manifestou seu ressentimento:

Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas“. Ele havia feito um acordo com Eduardo Cunha pelo afastamento de Dilma da Presidência da República. 

As engrenagens que se moviam nos bastidores recebiam comandos de um grupo amorfo ideológica e políticamente, sendo definido, atualmente, pelo nome pouco conveniente à sociologia política, mas adequado para o mundo dos balcões de negócios da politica: o Centrão. Menos pelo espectro ideológico e mais por vender seu apoio em quaisquer questões em que possa se intrometer como fiel da balança e votar de acordo com quem mais pagar; um Centrão de acordos.

O Santo Graal da corrupção brasileira

O que une essa entidade informal na política brasileira é a missão de manter seus integrantes manietando o destino dos recursos públicos. É uma espécie de cálice sagrado cuja poção financeira  indica o caminho do poder, de como conquistá-lo, mantê-lo e remunerar-se através dele. Quem prova do seu conteúdo é convidado a ficar no grupo para sempre e a preparar seus  herdeiros para sucedê-lo. O esquema é conhecido até pela grande imprensa e foi retratado pelo O Estado de São Paulo:

Despachante

O nome Centrão, no entanto, só vingou no tempo da Constituinte, em 1987 e 1988, quando um grupo de parlamentares voltados para o mercado financeiro, o agronegócio e os municípios decidiu buscar poder num caminho do meio entre progressistas e conservadores.

‘É dando que se recebe’

Na Constituinte de 1988, uma ala do PMDB (atual MDB) que queria pressa no atendimento de suas reivindicações – e não se identificava nem com os progressistas liderados por Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, nem com os conservadores – buscou vida própria. O presidente José Sarney aproveitou a aproximação do grupo e garantiu cinco anos de mandato numa relação com o Congresso marcada pela famosa frase do ex-ministro Roberto Cardoso Alves (SP), um dos primeiros líderes do Centrão: “É dando que se recebe”. Retirada da oração de São Francisco de Assis, a frase virou a senha do fisiologismo.

Por afinidades e nacos do governo, parte do grupo deu suporte a Sarney e nunca mais se desgrudou do Planalto.

A última megabancada de um partido do Centrão foi eleita em 1998 pelo PFL, com 105 deputados. Era o auge do carlismo, grupo do ex-senador e ex-governador baiano Antônio Carlos Magalhães, presidente do Senado. Na Câmara, o Centrão ainda viveria alguns relances de poder, como a eleição em 2005 do baixo clero, simbolizado pela presidência do ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE). O grupo derrotou o Planalto por divisões no PT do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Cunha

O Centrão ganhou mais musculatura em 2015, quando o então deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) foi eleito presidente da Câmara no primeiro turno, derrotando o petista Arlindo Chinaglia (SP), nome bancado pelo Planalto. Cunha conseguiu reunir insatisfeitos da base aliada do governo de Dilma Rousseff e especialmente de seu partido, o MDB, que tinha o vice Michel Temer. Ele agregou, ainda, o PSC do pastor Everaldo, o PP de Arthur Lira (AL) e parte considerável das bancadas do agronegócio, evangélica e das armas.

No comando da Câmara, Cunha apresentou pautas “bombas” contra o governo e abriu o processo de impeachment de Dilma. A queda do deputado, preso no âmbito da Operação Lava Jato, não desarticulou o bloco por completo, mas iniciou uma disputa por quem seria o seu sucessor. O Planalto procurou, então,  Arthur Lira, Marcos Pereira (Republicanos) e Valdemar Costa Neto, chefe do PL, para conversar. Bolsonaro, em 2018, quase fechou com Valdemar uma aliança com o então senador Magno Malta (ES) para sua chapa à Presidência. “

O Centrão é a representação em mármore carrara da plutocracia brasileira. O setor privado recorre ao Centrão para resolver seus dilemas, bem como os representantes de instituições esgarçadas em momentos de crise, como agora. Temer não é o pacificador da República, ele é o mantenedor dos arranjos. Como o atual, que tem integrantes do ocupando manivelas estratégicas de liberação de dinheiro público. Nenhum presidente da Câmara dos Deputados, na história da República, teve acesso a tanto dinheiro como tem, atualmente, o deputado Arthur Lira: R$ 15 bilhões em verbas orçamentárias em parte secretas e emendas parlamentares. Esse montante é a paga de Bolsonaro para que os pedidos de impeachment não sejam aceitos

Lírico Lira

O dia seguinte às agressões golpistas de Bolsonaro, Arthur Lira apareceu em cadeia nacional para pedir e oferecer harmonia aos 3 poderes, indicando que para o Centrão não interessa a ruptura com os cofres públicos.

O Centrão assumiu, diretamente, o código que abre os cofres públicos. O ex-senador Ciro Nogueira, Progressistas, assumiu a Casa Civil no Palácio do Planalto para entabelar com a deputada Flávia Arruda, esposa do ex-governado do DF, José Roberto Arruda, a liberação das emendas parlamentares. Ou seja, o centrão tem muito a ganhar na situação atual. Esse espaço foi conquistado via acúmulos de pedidos de impeachment; por pressões abertas pelos inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal e pelos avanços da CPI da Pandemia.  Quanto mais o STF aperta Bolsonaro, mais seu governo abre espaço para o Centrão. 

“Tem que manter isso aí”

É difícil precisar quando Temer assumiu funções estratégicas no clube secreto. Poder ter sido quando foi presidente da Câmara dos Deputados ou na vice-Presidência da República. Mas o episódio da JBS e seus dias de prisão na PF do Rio de Janeiro foram emblemáticos.

E, agora, no clímax da tentativa de golpe promovido por Bolsonaro,  7 de Setembro, Temer reaparece como negociador. O mercado financeiro azedou de vez e empresários recorreram ao ex- presidente para que negociasse um compromisso de recuo de Bolsonaro.

Michel Temer teria levado um documento pronto. E Bolsonaro teria mudado algumas palavras da missiva que foi assinada em troca de algumas exigências.

Não está claro o que foi negociado. Temer atuou como apaziguador dos ânimos, pedindo que Bolsonaro assinasse compromissos (que não têm a menor chance de serem honrados), mas, também, como um estrategista do Centrão.

Foi para “manter isso aí”  que ele aceitou mediar um encontro entre líder do chefe do Executivo com o ministro do STF.

De modo que do encontro que Temer manteve com Bolsonaro é preciso inferir que algo foi dado em troca para que aquele documento fosse assinado. Será que foi um provável afrouxamento de Alexandre de Moraes no inquérito da Fake News?

Mesmo sob segredo de Justiça, sabe-se que a investigação contém ingredientes explosivos capazes de levar aos ares não só a chapa Bolsonaro-Mourão, mas, também, de atingir a famiglia, com potencial para colocar filhos do presidente atrás das grades.

Temer teria negociado os recursos jurídicos capazes de provocar o afastamento e a inegibilidade de Bolsonaro? 

D. Corleone  saberia  apontar o  traidor.

Tem pizza D. Corleone?

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