O mercado da água proposto por Jeiressati tem o potencial explosivo de acentuar a diferença de oferta e a disputa pelo bem mais precioso da humanidade.

A opinião pública não conhece em detalhes a dinâmica que deverá nascer caso seja implementado o chamado Mercado de Água.
Basicamente torna relativo o poder dos municípios em conceder a outorga da exploração da água e permite que a gestão seja feita por consórcios municipais, submetidos aos Comitê de Bacias Hidrográficas, em que ilustres desconhecidos militam há algum tempo. Embora, os Comitês tenha a previsão de ficar com 5% da valor das vendas das concessões, essa taxa este longe de ser o incentivo desse negócio. Todas as tarifas de décadas futuras – sua conta d’água mensal – serão a paga. O Brasil é o único país capitalista do mundo que oferece receitas sem risco aos investidores estrangeiro. Paulo Guedes tem orgulho disso.
Relatórios prontos da Agência Nacional de Água vão embasar os pontos, mas o que subjaz aos novos contratos é que o dinheiro poderá drenar o volume do líquido de uma reserva para outro local. Ou seja, a universalização da água será contigenciada por quem tem mais grana. O que permitirá, por exemplo, que empresas como a SPAL possam – em municípios distantes – sugar toda a água das concorrentes, além de ameaçar o abastecimento da população adjacente.
As metas estabelecidas de saneamento básico e de abastecimento são tão críveis quanto as atuais das concessionárias que administram rodovias, telefonias ou energia elétrica: viram letras mortas num cipoal de fiscalização e processos. Mas, no caso, estamos falando de água. Ainda mais agora, durante uma processo ímpar de higienização contra uma pandemia e durante o aquecimento global.
Muita gente graúda está há anos posicionada para “conceder” o uso da água. Tem uma enxurrada de pensamentos e relatórios prontos para convencer a opinião pública que vender o direito de uso e exploração de água a terceiros é a melhor coisa.
Contudo, ao aprofundar a má distribuição do líquido o novo marco tem um potencial explosivo de, futuramente, provocar guerras pela água.
Água Que Te Quero Viva!
Nunca se soube tanto sobre o ciclo das águas. As inovações tecnológicas nos trouxeram certezas sobre as estações de cheia e de seca e proveram ferramentas para evitar desperdícios, diminuir a poluição das águas e até para vigiar as nascentes. Os sistemas de monitoramento, via satélite, são os mais afiados da história do planeta. Aliados aos modelos de previsão climática, colocaram a meteorologia em um novo patamar, com muito mais precisão e acertos.
Entretanto, toda ciência à disposição dos gestores públicos e operadores de empresas privadas ainda não foi capaz de ser efetiva na preservação e na universalização do acesso ao bem mais precioso da humanidade. Talvez porque a “pecinha” com a boca no copo d’água ainda não esteja – apesar de tragédias como a do Rio Doce – suficientemente convencida da gravidade da situação.
Visto de cima é como se o planeta fosse uma fonte inesgotável de água. Ocorre que menos de 1% desse líquido está disponível e é próprio para o consumo humano.
Trata-se de uma corrida contra o tempo. Projeções da ONU – Organização das Nações Unidas revelam que a velocidade do crescimento demográfico e o decréscimo de oferta de água boa vão tornar essa conta desfavorável para saciar a sede de todos.
Um mundo estressado com a água
Neste cenário de apreensão, os alarmes de todas as instituições e empresas globais estão disparados em relação ao ameaçador desequilíbrio entre fornecimento e consumo de água.
A disputa entre povos e nações pela água se intensifica. A água não respeita divisões políticas imaginárias entre países, de modo que quase a metade da superfície terrestre é formada por bacias hidrográficas de rios compartilhados por dois ou mais países. No globo, 263 lagos e bacias fluviais são compartilhados com 145 países. Dois bilhões de pessoas dependem de 300 aquíferos. E 70% dos rios de fronteiras não têm normas de uso comum pelos países que cortam. O Brasil, por exemplo, reparte a água de cerca de 80 rios com os países vizinhos, incluindo importantes bacias como a do Amazonas e a do Prata, além de partilhar os sistemas dos aquíferos Guarani e Amazonas. Em outras palavras, é preciso buscar o consenso para a aplicação da água, manejo dos recursos e preservação das nascentes e mananciais, enquanto ainda é possível.
Se toda a água potável do mundo estivesse em oito copos, um deles seria só do Brasil
Em termos globais, o Brasil possui cerca de 12% da disponibilidade de água doce do planeta. Mas a distribuição natural desse recurso é desequilibrada. Enquanto a região Norte, por exemplo, concentra 80% da água disponível, e tem apenas 5% da população brasileira, as regiões próximas ao Oceano Atlântico possuem mais de 45% da população, porém, contam com menos de 3% dos recursos hídricos do país. É isso que o Mercador de Águas está vendendo.